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quinta-feira, 9 de julho de 2015

Ansiedade ansiosa.

Esta ansiedade que me consome não é saudável.
Não me deixa respirar, sinto-me percorrida por uma corrente eléctrica, milhares de partículas nervosas atravessam o meu corpo.
Pára, escuta, sentes. Consegues sentir? Consegues ouvir o meu coração? Não? Como não? Ele bate mais forte que as ondas negras e agrestes dos mares revoltados, ele faz-se sentir mais presente que os relâmpagos e trovões que incendeiam as paisagens nocturnas transformando-as em dias fora de horas.
Sinto-me tremer, sinto-me vacilar.
Esta ansiedade que me consome não é saudável.
Que queres agora? Deixa-me. Deixa-me padecer deste mal, deixa-me ter dificuldade em conter no meu peito, dentro de mim, enquadrado pelas minhas costelas feitas de osso e vidro este coração, que não pára de bater.
Que queres, volto a dizer-te, deixa-me.
Não olhes para as minhas mãos, elas tremem, talvez incomodem os teus olhos, talvez incomode o teu ser, feito de paz, e calma, e tranquilidade.
Deixa-me padecer deste mal, afasta-te de mim, quero sofrer sozinha, não preciso de te arrastar comigo para este pântano escorregadio, lamacento e sujo que é esta ansiedade que me consome.
Quero respirar. Quero acalmar-me. Lentamente, conto até dez. Finjo que conto, porque esta ansiedade, esta ansiedade ansiosa que me consome, corrói e come por dentro, mal me deixa passar dos primeiros algarismos dos tantos que preciso de contar, sentir, ouvir e escutar até me acalmar.
Um. Dois. Três.
Já me perdi. Tenho que recomeçar. Um, dois, três, quatro. Não, ainda não cheguei lá, voltei a parar a meio, esta ansiedade ansiosa não me deixa ser quem preciso de ser.
Quero respirar fundo e encontrar dentro de mim a paz que necessito para saber respirar, mas perdi essa capacidade. Hoje perdi-a. Amanhã talvez a reencontre, ou talvez não a reencontre. Sabes? Eu não sei.
Eu hoje não sei nada, de nada sei, a não ser que esta ansiedade, esta ansiedade ansiosa que me consome, corrói e come por dentro não me deixa respirar, não me deixa sentir o veludo da vida, a alegria prazerosa que há em aproveitar o momento.
Este meu momento que se quer tão especial está conspurcado e inutilizado por esta ansiedade ansiosa que me percorre cada célula do corpo.
Quere-la?
Ofereço-ta.
Não... não ta ofereço.
Porque esta ansiedade ansiosa que me consome e me guia faz parte de mim, sem ela não seria quem sou, não teria as qualidades que tenho nem a sabedoria que já impregna a minha mente.
Deixa-me, deixa-me padecer sozinha desta ansiedade, preciso dela para respirar, ainda que não me deixe respirar.
Esta ansiedade que me consome não é saudável.
Mas é minha, e comigo a levarei.

Cercos e prisões

Cercas-me. Procuras-me incessantemente, à força, num qualquer movimento contínuo e intemporal, autista quase, repetitivamente, cansativamente.
Cercas-me com as tuas palavras vazias de sentido e de conteúdo, com as tuas acções balofas e desprovidas de significado e substância.
Cercas-me, não te apercebes que sou como a água ou como a areia, constituída por milhares de partículas que quanto mais queres agarrar mais fogem por entre os teus dedos secos e reluzentes, sapudos mesmo.
Não me cerques, sou animal selvagem e bravio, não te deixes iludir pelo meu ar cândido, tranquilo, de menina doce e suave. Não o sou, não te deixes iludir pelo meu ar, sou animal selvagem e bravio, um lince camaleão, adapto-me, moldo-me, mas não perco a minha essência, sou animal selvagem e bravio.
Não confundas as minhas respostas curtas com um qualquer problema de linguagem. Não o tenho, sei dominar as palavras, não as deixo dominarem-me. Elas preenchem-me, uso-as a meu bel prazer. Sou animal selvagem e bravio, não me tentes cercar, quanto mais o fizeres mais escorrerei por entre os teus dedos sem que te apercebas de como o faço.
Sou ágil, felina, esguia, enguia.
Não me cerques, como sempre o fizeste, o que ganhas com isso?
A liberdade não tem preço, funciono ao contrário, dizes-me não e faço sim, queres ver preto mas dou-te branco, convencendo-te que é a necessidade de ser branco que a isso me leva, assegurando-te que o branco é o melhor, vendendo o branco como a salvação deste mundo insane e louco.
Não me cerques, sou um pássaro veloz, de asas feitas de fogo e bico aguçado, bico de diamante, afiado como as garras de um leão ou um dente de vampiro.
Não me cerques, quanto mais o fazes mais eu voo para longe, numa ânsia de recuperar a liberdade que os teus cercos insistem em privar da minha companhia, desde que o Universo existe.
Não me cerques, pois sou livre, não aprisonável, arisca, agreste, animal selvagem e bravio.
Não me cerques.
Sou livre, já te disse.
Não me cerques, desiste, encontra uma outra estratégia qualquer para chegares a mim.
Não me cerques.


quarta-feira, 8 de julho de 2015

Porque escrevo? Não to sei dizer.

Escrevo.
Por que escrevo? Não sei, não to sei dizer, ainda que sondasse as profundezas da minha mente.
Desculpa se te incomodo com estas palavras tontas, vazias de sentido, com estórias insignificantes para o correcto, digno e prazeroso desenrolar da tua vida, para a edificação da tua cultura.
Não escrevo para ti, escrevo para mim.
Escrevo.
Quando escrevo? Não sei, não to sei dizer. Não mo peças, não o farei, não sob pressão como se de um autómato me tratasse.
Sou um universo complexo, denso, profundo, com mistérios insondáveis, constituída por milhares de partículas que se inter-relacionam entre elas sem me pedir licença, com vontades próprias, pensamentos próprios, com vidas próprias e independentes de mim, que as albergo sem saber como. Fazem parte de mim mas não me pertencem realmente, não sei o que pensam, o que sentem, o que dizem, o que respiram, de que se alimentam.
São estas partículas ínfimas, mais pequenas que a milésima parte do milímetro, que me compelem a escrever.
Por quê? Quando? Sobre o quê?
Não sei. Não to sei dizer, ainda que me submeta a uma qualquer sessão de psicoterapia, de psicologia, de psicanálise.
Pergunta-lhes a elas, são elas as responsáveis, têm elas a culpa desta minha situação, situação esta em que me sinto compelida a escrever em modo de transe, sem saber onde os meus dedos me levam, sem saber a que sítios o meu pensamento me conduz. São elas as responsáveis, não eu. Eu sou um mero instrumento, constituído por milhares de partículas independentes, elas possuem-me, são minhas mestras, conduzem-me qual pessoa vendada que não sabe onde vai mas confia.
Escrevo.
Por que escrevo? Não sei. Não to sei dizer, já te disse, repito-te, pergunta-lhes a elas, elas saberão. Poderão não to querer dizer. Não me admiraria, sabes? Nem a mim, ser irracional que conduzem pela arte de junção de letras e palavras, mo dizem.
Escrevo para respirar. Escrevo para viver. Respiro? Vivo? Não sei. Não sei o que é respirar, não sei o que é viver, afinal de contas é tudo relativo, não achas?
Escrevo.
Por que escrevo? Não sei.
Não mo perguntes, já te disse, não me pressiones, não vale a pena.
Escrevo porque sou eu, constituída por estes milhares de partículas que me preenchem sem se darem a conhecer.
Escrevo porque escrevo.

"Não gosto de pessoas"

"Não gosto de pessoas", oiço vezes e vezes sem conta.
"Não gosto de pessoas", referes-me tu, da altivez da tua voz embriagada, mente embriagada com discurso embriagado. "Não gosto do ser humano, é a desgraça da humanidade", continuas a afirmar, enquanto o vazio se apodera do teu olhar.
Quisera contradizer-te.
Quisera abraçar-te e fazer-te ver que o ser humano é complexo, que o ser humano é profundo, que o ser humano dificilmente é raso e simples de se gostar.
"Não gosto de pessoas". Cuidado com esta afirmação tenho eu que ter, pois entranha-se no meu ser, na minha pele, debaixo das minhas unhas.
Quero retirá-la, quero escová-la ainda que isso signifique arrancar a minha própria pele.
Não me posso dar ao luxo de não gostar de pessoas.
"Não gosto de pessoas", continuas tu a gritar em voz baixa, um qualquer pedido de atenção, uma forma estranha e delicada de dizer "quero que gostem de mim".
"Não gosto de pessoas", e estas palavras escavam profundamente o seu lugar dentro da minha mente, insinuam-se de maneira velada, discretamente, como se de um parasita se tratassem, entram em mim sem pedir licença, ficam, gravam-se nos meus pensamentos.
Quisera dizer-te que também eu tenho momentos negros desses, em que não gosto de pessoas, mas depois reflicto.
Não somos todos pessoas?
Não gostas de pessoas? Não gostas de mim? Não gostas de ti? Afinal, de quem não gostas?
Abraço-te em segredo, tento fazer-te chegar a mensagem de que as pessoas são bons alvos para gostarmos.
"Não gosto de pessoas", e de repente esta frase começa a perder força na minha mente.
"Não gosto de pessoas", e de repente um raio de luz força a entrada neste lugar escuro e pesado que é a tua mente embriagada a querer tornar escura e pesada a minha mente, embriagada não de álcool mas de inseguranças.
Gosto de pessoas.
Gosto das lições que as pessoas me ensinam. Gosto das pessoas que me mostram o que eu não quero ser. Gosto de aprender com elas a falsidade, a mentira, o cinismo, a arrogância, o sarcasmo. Gosto de saber estas coisas, gosto de conhecer o que devo evitar.
Gosto de pessoas. Gosto de me tornar forte, adulta, perspicaz. Gosto de chorar, lavando a minha alma, lavando o meu pensamento, destruindo e esvaziando como um balão roto todas as mágoas que as pessoas me causaram. Gosto de olhar para trás e saber que cada pessoa que tu poderias não gostar, do alto da tua razão embriagada e mente dormente por um qualquer barulho infernal que insistes em partilhar com os outros, me ensinou a mim uma lição valiosa para a vida, o nosso bem mais precioso.
"Não gosto de pessoas", afirmas ainda mais uma vez, olhar vazio e triste enquanto ingeres mais poção mágica que te adormeça para este mundo, mas as tuas palavras não encontram já eco em mim. Estou protegida por uma muralha verde esperança, raízes fortes e profundas, abraçada por todo o amor que me rodeia.
"Não gosto de pessoas", tentas uma vez mais, mas já sem convicção.
Olho para ti, escrutino-te, analiso-te, sorrio-te e digo-te sem palavras.
Eu gosto de pessoas.
Gosto inclusivamente de ti, que não gostas de pessoas.



segunda-feira, 6 de julho de 2015

Nuvem preta

     Trago esta nuvem preta dentro de mim.
     Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha, trago-a comigo desde que nasci, desde que me lembro de ser gente.
     Esta nuvem preta é a minha prisão e a minha liberdade, aperta-me o peito e os pulmões, não me deixa respirar, compele-me para ser um outro eu, um eu que abomino e desprezo mas que ao mesmo tempo é tão livre.
     Livre ao ponto de não querer saber de opiniões, de convenções, de tradições.
     Livre porque chora, grita, diz o que pensa, fecha as emoções e expressa-se.
     Trago esta nuvem preta dentro de mim.
     Ela é a minha prisão e a minha liberdade.
    Ela faz-me transcender, ela faz-me rir, ela faz-me chorar, ela não me deixa ser indiferente, impassível.
    Esta nuvem preta minha faz-me ser eu, é poderosa, é densa, fecho os olhos e sou conduzida por ela. Giro, rodopio, bailo ao sabor dela, já não sei quem sou, nem o que quero, nem o que é suposto fazer, nem o que devia ser.
    Cresce dentro de mim como uma tempestade indomável, cobre cada centímetro do meu corpo, da minha pele, dos meus órgãos, enche-me de energia vital, transforma-se numa corrente eléctrica que percorre os meus pés, as minhas pernas, o meu corpo, a minha cabeça e não me deixa estar contida.
    Transforma-me a mim, mero ser de pó, num gigante imbatível, numa leoa feroz que não se deixa intimidar.
     Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha, como se de uma gémea siamesa se tratasse.
Ninguém sabe dela porque me revisto de uma outra nuvem, branca, pálida, frágil, que é politicamente correcta, que está aqui para me moldar aos ditames de uma sociedade injusta e cruel, formatada para não pensar.
    Odeio esta nuvem preta que trago dentro de mim, mas acarinho-a.
    Ela move-me a pensar nos momentos de irracionalidade, ela é preciosa, ela é minha, muito minha, apenas minha.
    Claro, tu tens uma outra nuvem dentro de ti. Mas não é preta. Será cinzenta, castanha, púrpura, vermelha, não preta. Não, não é a minha nuvem preta, que me deixa ser livre enquanto me acorrenta.
    Trago esta nuvem preta dentro de mim. Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha.
    É a minha prisão libertadora.