"Percebendo que a filha estava morta de cansaço, Roberta agradeceu uma vez mais a Julião “pelo magnífico jantar e calorosa recepção com que nos presenteou, e por toda a sua ajuda”.
- Sim, Juma, obrigada – disse também Amélia, tão cansada que já mal abria os olhos – Diverti-me muito.
Talvez por esse facto não se tenha dado conta do abraço ligeiramente mais apertado que o seu professor lhe deu, ou do beijo um tudo nada mais intenso e não tão no centro da face como seria politicamente correcto. Nem Julião, pouco habituado a beber vinho à refeição, e muito menos a completar a noite com um Porto, se deu conta de que o fizera. Ou talvez se tivesse dado, não o querendo admitir a si próprio. Perpassava-o uma sensação de perigo, de desejo pelo proibido, e o proibido nesse momento era Amélia.
Há muito, muito tempo que não tinha uma mulher nos braços, e sentiu o desejo invadi-lo. Não era correcto, bem o sabia, e talvez fosse apenas o efeito do álcool no seu corpo. Mas pela primeira vez observou não Mia a aluna mas Amélia Miranda a mulher.
Sentiu a súbita necessidade de não a deixar largar, sentiu a vontade incontrolável de lhe pedir que ficasse, independentemente de ser menor de idade, independentemente de estar com a mãe ao lado.
Assustado com os seus próprios sentimentos, que ainda não conseguia identificar por completo, libertou-se de Amélia quase com aspereza, dando graças por ela estar tão ensonada que não se dava conta. No entanto, Roberta dera-se conta de tudo. Juma pressentiu o olhar dela sobre si, indagador, penetrante, e, acima de tudo, reprovador. Como se de repente tivesse entendido tudo. Cada “querida Amélia” que ele lhe tinha dirigido, embora não tivesse tido para si nenhum significado mais profundo, havia já sido interpretado por Roberta em toda a sua profundidade.
Evitando os olhares de Roberta, Julião fechou tão correctamente quanto possível a porta da rua. Seguidamente, encostando-se à parede, deixou-se escorregar até ao chão, atónito com o que acabara de descobrir. Levando mãos à cabeça, murmurava “é impossível, é impossível”.
Sem saber como nem porquê, quando nem onde, Amélia, a doce Amélia, a suave Amélia, a perfeita Amélia, fora-se entranhando no seu íntimo. Já há uns dias, quando ela fora para o hospital, Juma se dera conta de que ela não era para si uma mera aluna como Laura, ou Claudette. Era uma amiga.
Mas hoje…
O que ele sentira hoje não era o que se sentia por uma mera amiga.
Sentia-se atraído por ela, e nem sabia ao certo quando isso começara.
Recordava-se agora de todas as aulas em que, sem se dar conta, aproveitava cada pretexto para estar perto de Amélia. Recordava-se de todas as alturas em que por qualquer pormenor que poderia parecer insignificante, procurara tocar nas suas mãos, para corrigir a posição, procurara tocar nas suas costas, para que a postura fosse mais erecta, procurara que Amélia fosse o seu par para demonstrar certos passos às restantes alunas…
E ao mesmo tempo em que se ia lembrando disto, forçava-se a pensar que deveria ser tudo uma ilusão, ela era aluna e ele professor, nada mais natural que ele tivesse que a corrigir. Era como se um professor ou um mestre de um qualquer instrumento musical não tocasse no aluno para corrigir a posição das mãos!
No entanto, apesar de tentar assim aplacar a sua consciência, algo existia que lhe dizia claramente que estava à beira do abismo: estava apaixonado por Amélia Miranda, a sua talentosa aluna. Estava atraído irremediavelmente por ela, apenas assim se explicava que tentasse por todos os meios estar próximo dela, tocá-la, corrigi-la.
Abismo. Ao pé dele se encontrava. E não sabia que passo dar para não cair nesse buraco negro que seria a sua perdição."
in Livro com título por definir ;)
Quero saber o resto da história! lol Muito fixe. Bonito.
ResponderEliminarEste foi o último capítulo que escrevi. Infelizmente nunca mais tive tempo para pegar na história. Tinha um plano original, mas as personagens ganharam vida própria por isso não sei o que vai acontecer a seguir...
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