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sábado, 22 de maio de 2010

A irracionalidade racional do Homem e a luta pela dignidade.

Acordo e vejoa realidade tal como ela se me apresenta. Crua, nua, feroz, insensível e cruel. Por que tem tudo que ser assim? Tão duro? Por que não podemos nós ser como os pássaros, felizes porque cantam, felizes porque voam, felizes porque têm um ninho quente e aconchegante?
Será que os pássaros se ressentem porque têm penas vermelhas em vez de azuis? Será que percebem que por muito que façam nunca deixarão de ser pássaros? Será que se preocupam em saber como eram os seus antepassados ou como serão os seus descendentes daqui a milhões de anos? Será que se preocupam com a morte do sol ou com o desaparecimento da vida?
Ou, por outro lado, serão eles felizes com a sua ignorância cultural? Não é, pois, verdade que quanto menos sabemos mais felizes somos? Por que nos havemos de perguntar por que temos o que não queremos ou por que não temos o que queremos?
Por que ligaremos tanto às coisas materiais e menosprezamos as verdadeiramente importantes?
Na ânsia de ter, o Homem esquece-se de ser.
Se não somos, nunca teremos.
Por que não podemos nós ser como os pássaros, vivendo felizes com o que lhes é dado pela Mãe Natureza de acordo com as suas necessidades? Um pássaro nasce, cresce, reproduz-se e morre, dependendo unicamente do que lhe é oferecido.
Um pássaro não mata um da sua raça só porque o bico é maior ou as suas penas são brancas...
Por que não poderemos nós ser como os pássaros, espertas criações da Mãe Natureza, base de tudo, impulsionadora dos fluxos vitais que correm por cada fibra, por cada milímetro, cada lugar de cada organismo vivo, por mais ínfimo que seja?
Será que a nossa racionalidade, traço de unicidade entre a espécie humana, nos transporta automaticamente para a irracionalidade?
Por que não têm a felicidade, a alegria, o amor e a paz um doce e intenso cheiro a terra molhada, a floresta virgem, a camomila ou a alecrim?
Por que não poderemos nós ser como os pássaros, felizes, despreocupados, vivendo no meio de tais aromas?
Por que teremos nós de ser, a um tempo, racionais e irracionais, construtores e destruidores, inteligentes e acéfalos?
Por que nos preocupamos tanto com a estética e nos desligamos da ética?
Que interessa se a nossa cor de pele é escura ou clara, se somos fortes ou fracos, bonitos ou feios? Tais adjectivos simplificam em demasia o que é naturalmente complexo.
Tudo é efémero. Nunca somos nós a passar pelo tempo, é sempre o tempo que passa por nós. E o físico, o estético, desaparecem. Tal como quando repentinamente se apaga uma luz ou uma vela.
Fica apenas a parte ética, espiritual. Ficam as memórias, ficam as recordações. Mas ficam no escuro, pois é tão raro sobreviverem sem a luz!
É por isso que temos que lutar. Que importa se somos ricos ou pobres! Não é o dinheiro que compra o que de melhor temos. Não é o dinheiro que compra a nossa dignidade.
Nunca poderemos esquecer que a dignidade é tudo o que resta da destruição para que nos encaminhamos.
Sim.
Serei Digna.
Serei digna e será este o meu passaporte para viver como os pássaros.
Parece-me que já consigo sentir, ao fundo do túnel, o adocicado cheiro a camomila, que me vem convidar a viver em paz e harmonia perante o mundo que me rodeia e entre odores que me acalmam e me fazem subir ao Paraíso.
Serei digna.
Serei digna.
Serei digna.
Chegarei ao Paraíso.
Serei digna...


Texto escrito em Março de 2003 (aos 18 anos)




2 comentários:

  1. "Não é o dinheiro que compra a nossa dignidade", grande verdade que ai mencionaste :)
    Eu nessas idades ás vezes tinha conversas de alguma forma semelhante com o meu pai, era interessante, mas nunca ousei (o userá "tive pachorra"?) escrever sobre essas coisas...

    Sinceramente não acho (nem nunca achei) que tudo seja efémero, porque existe aquela maneira de nós "fazermos a nossa marca na corrente do tempo" (frase que li uma vez num certo poema e adorei), que pode passar por qualquer coisa que seja verdadeiramente nossa e com qual marcámos a diferença e que seja notado e recordado pelos outros.

    É engraçado como consideravas os pássaros felizes e despreocupados...

    "Um pássaro não mata um da sua raça só porque o bico é maior ou as suas penas são brancas..."
    esta frase deveria ser dita a muita gente neste mundo fora...

    (resta depois explicar o único problema: que um pássario pode matar outro porque gostava de instalar o seu ninho no mesmo sitio... é a ironia da vida... é que com a nossa racionalidade, supostamente deviamos ser capazes de não fazer algo assim, pois podemos reger-nos de acordo com principios éticos (ver Kant), de tal maneira que "poderiam constituir uma lei universal", no entanto muitos de nós optam pelo caminho do "dark side"... será que aparenta ser mais fácil, será isso?)

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  2. Talvez por conversares sobre isso não tenhas sentido a necessidade de o escrever? Eu como nunca tive à-vontade para falar destas "dúvidas existenciais" limitava-me a pensar e repensar sobre elas, e escrevia, deixava a caneta fluir, exprimindo o que pensava.
    Já nem sei porque dei o exemplo dos pássaros; creio que poderia funcionar com qualquer animal. O que eu queria dizer é que creio que apesar de serem "irracionais" conseguem ser mais racionais que nós.

    Os princípios éticos de Kant são muito bonitos, mas difíceis de pôr em prática. Eu sou o que sou porque gosto de ser assim. Não me sentiria bem a matar, por exemplo, e não porque seja um DEVER não matar. Do que me lembro de Kant, devemos fazer as coisas por dever e não por gosto, se retiramos gosto do que fazemos então deixa de ser um dever e uma obrigação e está tudo estragado. Escusado será dizer que isso "marcou" Kant para mim... Acho que as pessoas escolhem o que tu chamas "dark side" não por ser mais fácil mas porque querem, gostam, imensas razões. Eu não sigo Kant, não concordo com ele, nunca gostei da sua filosofia - mas também não entrei para o dark side.

    Acho que no fundo o que eu procurava nesta altura era ser tão livre e despreocupada como um pássaro, um sapo, um grilo, uma ovelha.

    Queria, e quero, ser Filha da Natureza. Não do Homem, o ser irracional em que ao longo do tempo se tornou.

    Fomos criados, tínhamos um Mundo Natural à nossa disposição - e tudo conseguimos destruir. Hoje pagamos por esses erros, e é triste...

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