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sexta-feira, 7 de maio de 2010

A paixão de uma vida

Tocar...

Acariciar suavemente as teclas negras e brancas de um teclado, de um piano...
Retirar desse amante sons, melodias, experiências, estados de alma, consolos...
Como pode uma coisa tão física, tão material, tão terreste, traduzir por palavras não ditas a essência de cada um de nós? Fazer-nos rodar, e rodar, e rodopiar, como se quiséssemos agarrar o fundo do nosso ser, ainda que nos seja verdadeiramente impossível conhecê-lo?
Que outra arte, que outro som, transmite tão bem a dualidade humana, sem ser a Música? Ela, como nós, é a um tempo humana e extra-humana, física e espiritual, está em nós e fora de nós, toca-nos e não se deixa ser tocada. Transmite quem somos quando nem nós próprios o sabemos, influencia-nos sem o podermos controlar ou evitar ou forçar.
Nós não a criamos, ela não se deixa ser criada, simplesmente a redescobrimos na sua essência e inocência original, como se atingíssemos o mundo das Ideias de Platão, tal como David aprisionado no bloco de mármore e liberto por Miguel Ângelo.
Assim foram Bach, Mozart, Beethoven, Chopin...todos esses génios, escultores do som, almas superiores com experiências de tantas vidas, redescobrindo essa música eterna, que nos diz sem dizer, que nos fala sem falar, que nos mostra quem somos e o que sentimos antes de nós próprios o sabermos.
Todos nós nos procuramos incansavelmente, tal como procuramos entender as palavras não ditas mas tão presentes, concretas e físicas, de uma obra musical... Ela é simultaneamente corpo e espírito, físico e etéreo, da mesma maneira que nós somos duplos, um corpo terrestre e uma alma qye absorve todas as experiências...
Que outra razão para que ela, Música, nos toque tanto? Nos eleve tanto? Que outra razão para batalharmos tanto para a conhecer, para a aprender? Doidos... como se isso fosse possível... como se nos pudéssemos realmente conhecer a nós próprios! Seremos eternamente auto-desconhecidos - e assim é a essência da Música.
Toca-nos, mas não nos deixa tocá-la... é no entanto na nossa eterna busca pelo que ela é que nos auto-procuramos.
Ela traz no seu seio toda a História da Humanidade, todas as alegrias e tristezas, todas as fatalidades e milagres, todos os sucessos e fracassos, todos os sentimentos humanos bons e maus, precisamente porque é superior a nós.
É na sua busca que nos buscamos, é na sua prática e aperfeiçoamento que nos aperfeiçoamos, é cada vez que a libertamos do seu estado físico e terrestre que nos auto-libertamos deste corpo e deste mundo que não escolhemos e atingimos um breve relance do que há para além disto; é nesta procura que a nossa alma conhece verdadeiramente autênticos momentos de liberdade e felicidade...

Repescagem de uma postagem da Secretária, agora para o desafio "Paixão" da Fábrica das Letras.

5 comentários:

  1. Bonita paixão. Um dia escrevo um texto parecido sobre a minha paixão pelo cinema. :)

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  2. Giger: Uma vez mais, obrigada pela tua visita! Espero que gostes do blog, aparece sempre que quiseres, vai dando a tua opinião!

    Beijinhos

    Rita

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  3. Rita,
    eis uma verdadeira paixão, talvez a maior de todas: reconhecer-se como parte de uma grande melodia universal...
    A música tem as chaves para as mais complicadas portas. Acolhe-nos. Conforta-nos.

    Sou supeito, pois tenho a música como um dos meus caminhos vitais.

    Lindo texto!
    Beijos.
    Ricardo.

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  4. Ricardo,

    Boa noite. Nem mais... ela diz o que por palavras é impossível dizer, acolhe-nos, conforta-nos, preenche-nos. Se a tens como um dos caminhos vitais, posso apenas dizer-te que já somos dois, visto que sem música já não sou eu...

    Muito obrigada pela tua visita, volta sempre que quiseres!

    Beijinhos

    Rita

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