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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Solidão...
Assim se sentia.
Embora rodeada de barulho, de luzes, de pessoas, de animação, de tecnologia, encontrava-se verdadeiramente só.
Sentia-se numa encruzilhada negra, com caminhos desconhecido à sua frente, sem bússula, vendada, surda, tendo-se apenas a si própria como companhia.
Todo o barulho do mundo que a rodeava não suplantava o silêncio negro que a consumia por dentro.
Era o nada. O nada total e absoluto, e não o nada do qual tudo brota.
Seca, vazia, ressequida, um invólucro quebradiço, de casca de ovo.
Não sabia para onde se dirigir, tudo era tão denso, tudo era tão escuro, para lado nenhum que olhasse encontrava a mais pequena réstia de luz. Tinha os olhos vendados, os ouvidos tapados, as mãos cobertas de pesadas luvas que não a deixavam tactear nada.
Solidão...
Apenas ela se acompanhava.
Apenas podia escutar o coração, a única voz que nem o silêncio forçado dos ouvidos poderia alguma vez calar.
Solidão...
Não via, nem sentia, os amigos, a família, os dias, as noites. Nada sentia.
Estava vazia, totalmente vazia, a sua essência há muito que se esfumara na eterna busca de quem era. Já não era ninguém.
Sem ver, sem cheirar, sem sentir, sem ouvir.
Apenas guiada por uma voz interior, que a fazia seguir por trilhos que ninguém mais compreendia, que ninguém mais entendia. Trilhos que a magoavam, que a feriam, que feriam quem a rodeava.
Mas trilhos que ela sabia, sem que alguém lho tivesse dito, porque era surda ao Mundo, que tinha que seguir.
Trilhos que doíam, que cortavam, que dilaceravam, mas que a enforteciam.
Sabia que quando chegasse ao seu final, encontraria a audição perdida, a visão que a abandonara, voltaria a sentir, voltaria a cheirar, voltaria a viver.
Até lá, sofria em silêncio essa solidão que não a abandonava, que a fazia ter medo a cada momento de dar um passo em falso, que a sufocava, que a fazia tremer sem saber por que finos fios caminhava, sempre receosa de cair num abismo do qual sabia ser incapaz de se levantar por não ver, não cheirar, não sentir, não ouvir.
Era a solidão total, completa e absoluta. De que lhe servia todo o Mundo de cenário, se era incapaz de o apreciar?...

Para a Fábrica de Letras, "Abismo"

5 comentários:

  1. Carlos: ainda bem que gostaste... este é o 1º texto mais "pessoal" que aqui ponho, por isso não o considero "bonito"... entendes? =)

    Mas obrigada pela tua visita!

    Beijinhos

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  2. Em primeiro lugar, temos de gostar da nossa própria companhia. Só depois, podemos querer que alguém a possa "suportar"... afinal, andamos aqui a impor a nossa companhia ou a oferecê-la?! A solidão é um bom tema para o Abismo...

    :)

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  3. Eli: disseste algo fundamental... "temos que gostar da nossa companhia". Creio que é isso que esta personagem está a aprender. A apreciar-se e ouvir-se apenas a si própria, independentemente do que a rodeia. Só então, quando o fizer, voltará a viver, a ver, a ouvir, a estar acompanhada =)

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  4. Gostei :)
    É uma imagem bem conseguida dum cenário que parcialmente todos nós temos de atravessar a uma ou outra altura da vida, com uma msg profunda...

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