Quantos andam aqui?

quarta-feira, 8 de julho de 2015

"Não gosto de pessoas"

"Não gosto de pessoas", oiço vezes e vezes sem conta.
"Não gosto de pessoas", referes-me tu, da altivez da tua voz embriagada, mente embriagada com discurso embriagado. "Não gosto do ser humano, é a desgraça da humanidade", continuas a afirmar, enquanto o vazio se apodera do teu olhar.
Quisera contradizer-te.
Quisera abraçar-te e fazer-te ver que o ser humano é complexo, que o ser humano é profundo, que o ser humano dificilmente é raso e simples de se gostar.
"Não gosto de pessoas". Cuidado com esta afirmação tenho eu que ter, pois entranha-se no meu ser, na minha pele, debaixo das minhas unhas.
Quero retirá-la, quero escová-la ainda que isso signifique arrancar a minha própria pele.
Não me posso dar ao luxo de não gostar de pessoas.
"Não gosto de pessoas", continuas tu a gritar em voz baixa, um qualquer pedido de atenção, uma forma estranha e delicada de dizer "quero que gostem de mim".
"Não gosto de pessoas", e estas palavras escavam profundamente o seu lugar dentro da minha mente, insinuam-se de maneira velada, discretamente, como se de um parasita se tratassem, entram em mim sem pedir licença, ficam, gravam-se nos meus pensamentos.
Quisera dizer-te que também eu tenho momentos negros desses, em que não gosto de pessoas, mas depois reflicto.
Não somos todos pessoas?
Não gostas de pessoas? Não gostas de mim? Não gostas de ti? Afinal, de quem não gostas?
Abraço-te em segredo, tento fazer-te chegar a mensagem de que as pessoas são bons alvos para gostarmos.
"Não gosto de pessoas", e de repente esta frase começa a perder força na minha mente.
"Não gosto de pessoas", e de repente um raio de luz força a entrada neste lugar escuro e pesado que é a tua mente embriagada a querer tornar escura e pesada a minha mente, embriagada não de álcool mas de inseguranças.
Gosto de pessoas.
Gosto das lições que as pessoas me ensinam. Gosto das pessoas que me mostram o que eu não quero ser. Gosto de aprender com elas a falsidade, a mentira, o cinismo, a arrogância, o sarcasmo. Gosto de saber estas coisas, gosto de conhecer o que devo evitar.
Gosto de pessoas. Gosto de me tornar forte, adulta, perspicaz. Gosto de chorar, lavando a minha alma, lavando o meu pensamento, destruindo e esvaziando como um balão roto todas as mágoas que as pessoas me causaram. Gosto de olhar para trás e saber que cada pessoa que tu poderias não gostar, do alto da tua razão embriagada e mente dormente por um qualquer barulho infernal que insistes em partilhar com os outros, me ensinou a mim uma lição valiosa para a vida, o nosso bem mais precioso.
"Não gosto de pessoas", afirmas ainda mais uma vez, olhar vazio e triste enquanto ingeres mais poção mágica que te adormeça para este mundo, mas as tuas palavras não encontram já eco em mim. Estou protegida por uma muralha verde esperança, raízes fortes e profundas, abraçada por todo o amor que me rodeia.
"Não gosto de pessoas", tentas uma vez mais, mas já sem convicção.
Olho para ti, escrutino-te, analiso-te, sorrio-te e digo-te sem palavras.
Eu gosto de pessoas.
Gosto inclusivamente de ti, que não gostas de pessoas.



1 comentário:

  1. Muito bom, gostei! É uma descrição muito original da experiência que é conviver com essa pessoa e ao mesmo tempo com uma mensagem clara :)

    ResponderEliminar