Trago esta nuvem preta dentro de mim.
Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha, trago-a
comigo desde que nasci, desde que me lembro de ser gente.
Esta nuvem preta é a minha prisão e a minha liberdade,
aperta-me o peito e os pulmões, não me deixa respirar, compele-me para ser um
outro eu, um eu que abomino e desprezo mas que ao mesmo tempo é tão livre.
Livre ao ponto de não querer saber de opiniões, de convenções,
de tradições.
Livre porque chora, grita, diz o que pensa, fecha as emoções
e expressa-se.
Trago esta nuvem preta dentro de mim.
Ela é a minha prisão e a minha liberdade.
Ela faz-me transcender, ela faz-me rir, ela faz-me chorar,
ela não me deixa ser indiferente, impassível.
Esta nuvem preta minha faz-me ser eu, é poderosa, é densa,
fecho os olhos e sou conduzida por ela. Giro, rodopio, bailo ao sabor dela, já
não sei quem sou, nem o que quero, nem o que é suposto fazer, nem o que devia
ser.
Cresce dentro de mim como uma tempestade indomável, cobre
cada centímetro do meu corpo, da minha pele, dos meus órgãos, enche-me de
energia vital, transforma-se numa corrente eléctrica que percorre os meus pés,
as minhas pernas, o meu corpo, a minha cabeça e não me deixa estar contida.
Transforma-me a mim, mero ser de pó, num gigante imbatível,
numa leoa feroz que não se deixa intimidar.
Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha, como se de uma gémea siamesa se tratasse.
Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha, como se de uma gémea siamesa se tratasse.
Ninguém sabe dela porque me revisto de uma outra nuvem,
branca, pálida, frágil, que é politicamente correcta, que está aqui para me
moldar aos ditames de uma sociedade injusta e cruel, formatada para não pensar.
Odeio esta nuvem preta que trago dentro de mim, mas
acarinho-a.
Ela move-me a pensar nos momentos de irracionalidade, ela é
preciosa, ela é minha, muito minha, apenas minha.
Claro, tu tens uma outra nuvem dentro de ti. Mas não é
preta. Será cinzenta, castanha, púrpura, vermelha, não preta. Não, não é a minha nuvem preta, que me deixa ser livre enquanto me acorrenta.
Trago esta nuvem preta dentro de mim. Shiu, ninguém sabe
dela, é minha, muito minha.
É a minha prisão libertadora.
Gostei muito de ler, um texto cheio de sentido e que retrata muito bem aquilo que será realidade para muitos de nós, mas de uma forma muito pessoal.
ResponderEliminarObrigada :)
EliminarRita, gostei muito, mesmo. Como tu escreves, e muito bem, todos temos uma nuvem dentro de nós.
ResponderEliminarMuitos não sabem, nuitos não imaginam sequer a cor própria da sua própria luz, quanto fará a cor da sua nuvem oculta. Acho que sempre foi mais fácil ser daltónico ou cego para dentro :)
Adorei :)
bjs.
Ana Neves
Obrigada :)
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