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segunda-feira, 6 de julho de 2015

Nuvem preta

     Trago esta nuvem preta dentro de mim.
     Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha, trago-a comigo desde que nasci, desde que me lembro de ser gente.
     Esta nuvem preta é a minha prisão e a minha liberdade, aperta-me o peito e os pulmões, não me deixa respirar, compele-me para ser um outro eu, um eu que abomino e desprezo mas que ao mesmo tempo é tão livre.
     Livre ao ponto de não querer saber de opiniões, de convenções, de tradições.
     Livre porque chora, grita, diz o que pensa, fecha as emoções e expressa-se.
     Trago esta nuvem preta dentro de mim.
     Ela é a minha prisão e a minha liberdade.
    Ela faz-me transcender, ela faz-me rir, ela faz-me chorar, ela não me deixa ser indiferente, impassível.
    Esta nuvem preta minha faz-me ser eu, é poderosa, é densa, fecho os olhos e sou conduzida por ela. Giro, rodopio, bailo ao sabor dela, já não sei quem sou, nem o que quero, nem o que é suposto fazer, nem o que devia ser.
    Cresce dentro de mim como uma tempestade indomável, cobre cada centímetro do meu corpo, da minha pele, dos meus órgãos, enche-me de energia vital, transforma-se numa corrente eléctrica que percorre os meus pés, as minhas pernas, o meu corpo, a minha cabeça e não me deixa estar contida.
    Transforma-me a mim, mero ser de pó, num gigante imbatível, numa leoa feroz que não se deixa intimidar.
     Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha, como se de uma gémea siamesa se tratasse.
Ninguém sabe dela porque me revisto de uma outra nuvem, branca, pálida, frágil, que é politicamente correcta, que está aqui para me moldar aos ditames de uma sociedade injusta e cruel, formatada para não pensar.
    Odeio esta nuvem preta que trago dentro de mim, mas acarinho-a.
    Ela move-me a pensar nos momentos de irracionalidade, ela é preciosa, ela é minha, muito minha, apenas minha.
    Claro, tu tens uma outra nuvem dentro de ti. Mas não é preta. Será cinzenta, castanha, púrpura, vermelha, não preta. Não, não é a minha nuvem preta, que me deixa ser livre enquanto me acorrenta.
    Trago esta nuvem preta dentro de mim. Shiu, ninguém sabe dela, é minha, muito minha.
    É a minha prisão libertadora.










4 comentários:

  1. Gostei muito de ler, um texto cheio de sentido e que retrata muito bem aquilo que será realidade para muitos de nós, mas de uma forma muito pessoal.

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  2. Rita, gostei muito, mesmo. Como tu escreves, e muito bem, todos temos uma nuvem dentro de nós.
    Muitos não sabem, nuitos não imaginam sequer a cor própria da sua própria luz, quanto fará a cor da sua nuvem oculta. Acho que sempre foi mais fácil ser daltónico ou cego para dentro :)
    Adorei :)

    bjs.

    Ana Neves

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